Microcontroladores Arm® multicore representam um avanço significativo na tecnologia de sistemas embarcados, oferecendo a capacidade de executar tarefas mais complexas, melhorar o desempenho das aplicações e reduzir o consumo de energia. Neste artigo, vamos apresentar as diferentes configurações de microcontroladores Arm multicore e explorar estratégias de otimização para maximizar as capacidades desses MCUs multicore em sistemas embarcados.
Perfis de Arquitetura Arm Cortex
A arquitetura Arm, conhecida por sua eficiência e desempenho, é amplamente utilizada em aplicações que vão desde smartphones até sistemas de controle industrial. Os núcleos Arm estão disponíveis em diversas configurações de arquitetura, incluindo as séries Cortex-A, Cortex-R e Cortex-M, cada uma voltada para diferentes tipos de aplicações:
- Cortex-A (processadores de aplicação): Os processadores Cortex-A são projetados para alto desempenho e suportam sistemas operacionais robustos, como Android ou Linux. Aplicações típicas incluem smartphones, tablets, equipamentos de rede e sistemas industriais de alto desempenho.
- Cortex-R (processadores em tempo real): Os processadores Cortex-R priorizam tempos de resposta determinísticos e previsibilidade para aplicações em tempo real. São frequentemente usados em automação industrial, controle de motores, robótica e sistemas críticos de segurança, como os das áreas automotiva e aeroespacial.
- Cortex-M (microcontroladores): Os processadores Cortex-M são projetados para baixo consumo de energia, bom custo-benefício e flexibilidade, sendo ideais para uma ampla gama de aplicações embarcadas. Exemplos incluem dispositivos vestíveis (wearables), sensores, dispositivos de automação residencial e aplicações de Internet das Coisas (IoT).
As configurações multicore podem aumentar o desempenho ao permitir o processamento paralelo e o manuseio eficiente de dados. Um processador multicore pode ser visto externamente de duas formas: como uma única unidade ou cluster — seja pelo projetista do sistema ou por um sistema operacional — que abstrai os recursos subjacentes da camada de aplicação, ou como múltiplos clusters, nos quais cada cluster contém múltiplos núcleos.
A série de alto desempenho Cortex-A pode utilizar clusters para melhorar o desempenho e a eficiência energética. Por exemplo, alguns systems-on-chip (SoCs) baseados em núcleos Cortex-A podem agrupar vários núcleos com caches e controladores de memória compartilhados. Já as séries Cortex-R e Cortex-M priorizam, respectivamente, o desempenho em tempo real e o baixo consumo de energia, e normalmente não implementam clusters no sentido tradicional. Elas podem ter configurações multicore, mas esses núcleos operam de forma independente, sem os recursos compartilhados típicos de arquiteturas com clusters.
Atualmente, mesmo plataformas de microcontroladores de baixo custo, como o Raspberry Pi RP2040, já incluem dois núcleos M0+. Isso mostra que o hardware multicore está se tornando cada vez mais comum e não está restrito a produtos mais caros. No entanto, esse tipo de hardware também apresenta desafios. Independentemente da qualidade do projeto do hardware, um código mal escrito ainda pode impactar negativamente o sistema durante a execução.
Estratégias de Programação
As seções a seguir oferecem dicas para programar softwares eficientes para microcontroladores Arm multicore.
Identifique o Paralelismo de Tarefas
A base de uma programação multicore bem-sucedida está na identificação de oportunidades para execução paralela dentro da sua aplicação. Procure por tarefas que sejam independentes e possam ser executadas simultaneamente sem dependências de dados. Isso pode incluir:
- Processamento de dados de sensores: Múltiplos núcleos podem processar simultaneamente dados de sensores diferentes.
- Processamento de sinais: Cálculos de filtragem, transformada rápida de Fourier (FFT) e outros algoritmos podem ser divididos entre vários núcleos, separando os cálculos que demandam mais processamento em blocos menores e mais eficientes.
- Gerenciamento da interface com o usuário: Um núcleo pode gerenciar as interações com o usuário enquanto outro lida com o processamento em segundo plano.
Escolha um Modelo de Programação Paralela
Depois de identificar o paralelismo, selecione um modelo de programação adequado para coordenar as tarefas entre os núcleos. Modelos comuns incluem:
- Primário/subordinado: Um núcleo principal (primário) distribui tarefas para os demais núcleos (subordinados) e gerencia a comunicação. É simples, mas pode gerar gargalos no núcleo principal.
- Multithreading: Cada núcleo executa sua própria thread, permitindo paralelismo mais detalhado. Exige sincronização cuidadosa para prevenir conflitos de acesso concorrente.
- Passagem de mensagens: Os núcleos comunicam-se enviando mensagens, possibilitando distribuição flexível de tarefas e balanceamento dinâmico da carga de trabalho.
Boas Práticas para Programar em Sistemas Multicore
Algumas operações de software dependem de qual núcleo está executando o código. Por exemplo, a inicialização global normalmente é feita por um código rodando em um único núcleo, seguida pela inicialização local em todos os núcleos. Existem dois locais possíveis para identificar qual núcleo está executando o código:
- Registro de Afinidade de Multiprocessador (MPIDR_EL1): este registrador indica qual núcleo está executando o código, tanto dentro de um cluster quanto em sistemas com múltiplos clusters.
- Bit U (U-bit): algumas configurações de processadores indicam se trata-se de um cluster de núcleo único ou multicore.
Considere também estes elementos de design para otimizar o software:
- Modularidade do código: Escrever código modular é fundamental. Isso melhora a legibilidade, facilita o gerenciamento da base de código e simplifica a depuração e manutenção.
- Gerenciamento de memória: O uso eficiente da memória é crucial em sistemas embarcados. Os desenvolvedores devem estar atentos ao uso de pilha (stack) e heap, evitar vazamentos de memória e utilizar acesso direto à memória (DMA) para operações que envolvem grandes volumes de dados.
- Eficiência energética: Otimizar o código para economizar energia é essencial em dispositivos alimentados por bateria. Técnicas incluem utilizar modos de suspensão (sleep), reduzir velocidades de clock e otimizar o tratamento de interrupções.
Aproveite a Concorrência
A concorrência de tarefas é fundamental para microcontroladores multicore, pois permite o uso eficiente de múltiplos núcleos, possibilitando a execução paralela de tarefas e, assim, melhorando o desempenho geral do sistema. Ao executar tarefas simultaneamente, o sistema pode lidar com mais processos ao mesmo tempo, reduzindo a latência e aumentando a capacidade de resposta em aplicações em tempo real. Além disso, a concorrência favorece uma melhor gestão dos recursos, garantindo que as cargas de trabalho computacionais sejam distribuídas de forma equilibrada entre os núcleos, prevenindo gargalos e maximizando a eficiência.
A seguir, alguns métodos para aproveitar a concorrência em microcontroladores multicore:
- Paralelismo de tarefas: Divida a aplicação em tarefas independentes que podem ser executadas simultaneamente. Essa abordagem é prática para aplicações que podem ser segmentadas em tarefas paralelas e distintas.
- Paralelismo de dados: Consiste em realizar a mesma operação em múltiplos elementos de dados em paralelo. Esse método é vantajoso para processamento de sinais, processamento de imagens e outras tarefas intensivas em dados.
- Sincronização: A sincronização adequada é essencial para evitar condições de corrida e corrupção de dados. Microcontroladores Arm oferecem diversos mecanismos para sincronização, como semáforos, mutexes e barreiras.
- Comunicação entre processadores (IPC): Mecanismos eficientes de IPC são vitais em sistemas multicore. Técnicas incluem memória compartilhada, passagem de mensagens e sinais de interrupção.
Para garantir a execução concorrente e a consistência dos dados, são usados os seguintes mecanismos:
- Semáforos: Controlam o acesso a recursos compartilhados, como blocos de memória, prevenindo que múltiplos núcleos modifiquem dados simultaneamente.
- Mutexes: Garantem acesso exclusivo a uma seção crítica do código, assegurando que apenas um núcleo execute essa parte por vez (Figura 1).
- Filas de mensagens: Permitem que os núcleos troquem dados enviando e recebendo mensagens, facilitando a comunicação assíncrona.
Estratégias de Otimização
A otimização de software é essencial para microcontroladores multicore, pois impacta diretamente o desempenho e a eficiência energética. Um código bem otimizado minimiza instruções desnecessárias e faz uso eficiente dos recursos de hardware, como a memória, permitindo uma execução paralela mais eficaz entre os núcleos. Isso possibilita obter os principais benefícios dos sistemas multicore, como ganho de desempenho e redução do consumo de energia.
Otimizando o Software
As estratégias de otimização para software em microcontroladores multicore incluem:
- Otimizações de compilador: Utilize flags de otimização do compilador para melhorar o desempenho e reduzir o tamanho do código. É fundamental entender os compromissos entre os diferentes níveis de otimização.
- Monitoramento de desempenho e benchmarking: Monitore regularmente o desempenho da aplicação para identificar gargalos na aplicação. Ferramentas como o Arm Streamline Performance Analyzer fornecem insights valiosos para esse processo.
- Otimização de cache: O uso eficiente de cache pode impactar significativamente o desempenho. As técnicas incluem bloqueio de cache (cache locking) para trechos críticos de código e a organização de estruturas de dados para melhor aproveitamento do cache.
Otimização para Cache e Memória
Processadores multicore geralmente possuem hierarquias de cache complexas, e o uso eficiente desses caches é essencial para obter alto desempenho.
- Localidade dos dados: Organize dados frequentemente acessados próximos na memória para aumentar a taxa de acertos no cache.
- Alinhamento com linhas de cache: Certifique-se de que estruturas de dados estejam alinhadas com os limites das linhas de cache para acesso mais eficiente.
- Minimização de false sharing: Evite posicionar dados não relacionados na mesma linha de cache para impedir invalidações desnecessárias entre núcleos.
- Otimização em assembly: Para trechos críticos de código, considere o uso de linguagem assembly, permitindo controle total sobre o hardware e o máximo desempenho.
Aproveitamento dos Recursos de Hardware
Microcontroladores Arm multicore modernos frequentemente oferecem mecanismos assistidos por hardware que permitem comunicação e sincronização mais eficientes, como:
- Periféricos de IPC (Inter-Processor Communication): Canais dedicados de hardware para troca rápida de dados entre núcleos.
- Unidades de Gerenciamento de Memória (MMUs): Módulos de hardware que permitem proteção e isolamento de memória entre núcleos, aumentando a segurança e a confiabilidade do sistema.
- Protocolos de coerência de cache: Mecanismos gerenciados por hardware que garantem a consistência dos dados armazenados em caches de diferentes núcleos.
Depuração, Perfilamento e Testes
Quando bem implementadas, as estratégias mencionadas anteriormente para otimização de software em microcontroladores multicore devem resultar em ganhos significativos de desempenho e eficiência energética. No entanto, desenvolver código para sistemas multicore — especialmente embarcados — pode gerar consequências inesperadas. Por isso, é essencial testar e medir o comportamento do código para garantir que ele esteja utilizando os múltiplos núcleos de forma eficiente.
- Depuradores com suporte a múltiplos núcleos: Ferramentas como JTAG, SWD e os recursos de depuração embarcados nos microcontroladores Arm permitem inspecionar o estado individual de cada núcleo, canais de comunicação e primitivas de sincronização.
- Ferramentas de perfilamento: Auxiliam na identificação de gargalos de desempenho e na avaliação do uso dos núcleos, permitindo ajustes na distribuição de tarefas.
- Testes unitários: Devem ser aplicados aos componentes individuais para assegurar confiabilidade e facilitar a manutenção antes da integração ao sistema maior.
- Testes de integração: Verificam a interação entre os diferentes componentes do sistema — algo particularmente importante em ambientes multicore, onde as interações entre tarefas podem ser complexas.
Conclusão
Programar microcontroladores Arm multicore traz desafios específicos, mas também oferece um enorme potencial de ganho em desempenho para sistemas embarcados. Ao compreender a arquitetura Arm, identificar e planejar cuidadosamente tarefas paralelas, adotar práticas eficientes de desenvolvimento, explorar a concorrência de forma eficaz e aplicar estratégias de otimização, os desenvolvedores podem extrair o máximo dessas plataformas multicore avançadas.
Este panorama serve como base introdutória, mas dominar a programação de microcontroladores Arm multicore exige estudo aprofundado, prática contínua e acompanhamento das tecnologias e metodologias mais recentes. A Arm oferece desde guias introdutórios até treinamentos especializados para apoiar engenheiros na jornada de otimização do software embarcado.
- Artigo escrito por Michael Parks e publicado no blog da Mouser Electronics: Optimizing Software for Multicore Arm Microcontrollers | Bench Ta
- Traduzido pela Equipe Embarcados. Visite a página da Mouser Electronics no Embarcados








